Brexit e Tarifas Norte Americanas - Os Feitiços que se viraram contra o Feiticeiro?

Autora do Artigo: Lara Ruivo

À primeira vista, estes dois acontecimentos históricos parecem distintos mas ambos levantam a mesma questão: “porquê tais decisões tão inesperadas?”.

Os Estados Unidos da América, que é um país historicamente apoiante do livre cambismo liberal, dá passos em direção ao proteccionismo, algo inédito. Já o Reino Unido, que sempre foi um símbolo de força com grande peso dentro da UE, decide desmarcar-se das amarras comunitárias e traçar um novo caminho solitário, à parte. A verdade é que ambos os Estados tiveram razões para tomar estas decisões, mas será que a saída da UE ou a imposição de tarifas num sistema comercial que não as vê há décadas, não terão sido dois “presentes envenenados” para as próprias economias, tanto a britânica como a americana?

Para começar, é necessário perceber: em que consistiram cada um destes eventos, que fatores estiveram na origem desta decisão e que repercussões- internas e externas- tiveram.

O Brexit representou a saída do Reino Unido da União Europeia em 2020. Esta ação foi sustentada com base na decisão do governo mas também devido aos resultados do referendo realizado a 23 de junho de 2016, que iam de encontro à favorável saída da união. Este processo foi longo e demorado, tendo sido iniciado em 2016 com Theresa May e concluído em 2020 sob a alçada de Boris Johnson. As razões que motivaram a decisão estavam ligadas ao descontentamento dos britânicos face à organização, especialmente em temas como: a política migratória da UE, a elevada contribuição financeira do Reino Unido em comparação com outros Estados-Membros e a perda progressiva da própria soberania económica e legislativa.

Inicialmente apresentado pelo governo como um projeto altamente promissor, o Brexit surgia como uma promessa capaz de impulsionar o crescimento económico. No entanto, cinco anos após o referendo de 2016, os resultados não corresponderam às expectativas. À medida que os efeitos da saída começaram a ser sentidos, a opinião pública britânica começou a mudar gradualmente. Essa é a conclusão que se retira de um estudo realizado em janeiro de 2025, publicado no site britânico YouGov, que revela que 55% dos britânicos atualmente consideram que sair da UE foi errado, incluindo 75% dos jovens que têm entre 18 e 24 anos hoje em dia e que em 2016 não podiam votar. Relativamente ao que a população no geral acha sobre o desempenho do pós-Brexit, apenas 11% reiteram que tem sido um sucesso, contrastando com os 62% que dizem estar a ser um fracasso.

Para além dos efeitos sentidos na sociedade, este projeto trouxe também prejuízos à economia e à balança comercial britânica, já que foi necessário diversificar mercados para as exportações - inclusivamente para outros não tão rentáveis - e as exportações caíram mais do que o previsto afetando sobretudo as pequenas empresas, que continuam a enfrentar maiores dificuldades devido à burocracia dos novos acordos comerciais.

No que diz respeito às relações entre o Reino Unido e a União Europeia, a liberdade de circulação de pessoas e bens passou a ser mais restrita e burocrática, existindo uma maior preocupação relativamente o ao fluxo comercial entre as duas partes, mas que a partir de 2021 começou a ser regulado pelo Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido. Atualmente, o Primeiro-Ministro Keir Starmer, do Labour Party, tenta uma aproximação à UE com o objetivo de esquecer as restrições impostas pelo Brexit e criar novos acordos de maior abertura entre ambos, a vários níveis.

Voltando ao outro protagonista deste artigo, os EUA. Ainda durante a campanha eleitoral, Donald Trump elevou o seu mote “MAGA- Make America Great Again” e prometeu aplicar tarifas alfandegárias a uma série de países, com a promessa de que isso impulsionaria a economia, algo que de facto cumpriu e que atualmente se tornou numa verdadeira guerra comercial mundial como ainda não se tinha visto.

Segundo o Presidente, existe a necessidade de aumentar as receitas do Estado, estimular a compra de produtos americanos em prol de produtos do estrangeiros e incentivar o investimento estrangeiro nos EUA. Porém, as coisas não são assim tão lineares, e como é óbvio, os países que tinham relações comerciais com os EUA não gostaram desta decisão, o que os levou a retaliar com tarifas mútuas desencadeando um “ping pong” de taxas. No caso da União Europeia e do Reino Unido, por exemplo, chegaram a um acordo satisfatório entre as partes. Com a UE o acordado foram tarifas de 15% na maioria dos produtos, entre outros pormenores, já com o Reino Unido foi assinado o melhor acordo até agora com a tarifa recíproca mais baixa, 10% para a generalidade dos produtos.

Desta forma é difícil fazer uma economia crescer sem que o poder de compras das famílias americanas seja afetado, algo que vai ser inevitável, visto que não serão apenas os produtos estrangeiros a registar um aumento de preço, mas também os produtos fabricados nos EUA que tenham neles incorporados componentes importados, assim se o custo de produção de um bem aumentar então o preço final aumentará igualmente.

As previsões feitas por um estudo da Deloitte Insights, usando dados oficiais do site Bureau of Economic Analysis, revelam duas importantes notas. A primeira é que o consumo feito pela população americana não aumentará tanto como é normal, espera-se que em 2025 este cresça aproximadamente 3% mas que em 2026 cresça apenas 1.5%, isto num cenário em que a tarifa ronde em média os 8.3%, pois caso a tarifa ronde cerca de 13.3% então o crescimento do consumo em 2026 ainda será menor, passando para 1%.  A segunda nota deixada neste estudo é que enquanto o crescimento do consumo vai diminuindo, o crescimento do PIB real acompanha essa diminuição também, em que no pior dos casos (com a tarifa a 13.3% em média) será de aproximadamente 1.3% em 2026.

Concluindo a análise geral sobre os dois casos, o impacto da inexistência do mercado comum europeu tornou-se evidente para o Reino Unido, mas mais do que os efeitos económicos, o Brexit revelou-se também um erro aos olhos de grande parte da opinião pública e dos parceiros internacionais. Já nos EUA, ainda não é possível apurar com exatidão os efeitos a longo prazo das tarifas, mas o aumento da inflação será inevitável devido por um lado à própria decisão do Presidente e por outro às reações dos outros países à imposição de taxas. No fundo, tanto o Brexit como as tarifas de Trump ilustram a forma como decisões políticas de grande impacto acarretam consequências económicas e sociais com custos superiores às expectativas iniciais. Portanto, sim, os feitiços acabaram por se virar contra os feiticeiros que o lançaram.

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